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Administrar os conflitos societários

A solução para a desavença pode ser a instauração de uma gestão profissional enquanto se trabalha a venda da empresa.

Marco Aurélio Militelli
 
A solução para a desavença pode ser a instauração de uma gestão profissional enquanto se trabalha a venda da empresa

Conflitos societários são como uma praga para uma empresa. A empresa sempre é a maior prejudicada. Normalmente, um conflito originado pela perda da confiança entre sócios se espalha rapidamente pela organização e pode chegar até ao escândalo. Não é raro incorrer em longos processos envolvendo perícias, auditorias e inúmeras negociações emocionalmente desgastantes. Mesmo quando os sócios procuram esconder o conflito e sua origem, o tempo evidencia a discordância, pois o clima organizacional fica muito ruim. Por vezes, até facções políticas, são criadas apenas para defesa de posições partidárias.

O conflito pode ser de natureza filosófica também, ou que dizem respeito à diferença de visão de futuro entre sócios e as respectivas conseqüências na gestão da empresa. Muito mais comuns, e por vezes até saudáveis quando construtivos, criam situações de difícil resolução, pois interferem diretamente no posicionamento da empresa e ações de longo prazo, levando-a a um estado de inércia que, no mínimo, provoca perda de competitividade.

O mais complexo para resolução de conflitos societários é que ambas partes envolvidas são geralmente capazes, têm recursos à sua disposição e reúnem uma infinidade de argumentos, por vezes até provas, para sustentação de sua posição. E em alguns casos, têm ímpeto suficiente para uma briga.

Frequentemente pessoas se referem a uma "sociedade" como sendo um matrimônio. Contudo, cabe aqui esclarecer: a separação dos cônjuges muitas vezes é bem mais simples que a dos sócios de uma empresa. Mesmo quando o contrato social, ou estatuto, prevê uma série de providências no caso de separação, ou houver pré-acordo de sócios, uma dissolução de sociedade empresarial, em caso de conflito societário, é matéria complexa.

Uma solução simples poderia ser de compra/venda de partes sociais de um sócio por outro. Para tal, bastaria considerar o valor do negócio em questão (ou das empresas envolvidas). Essa proposta é a primeira abordagem que procuramos fazer para solucionar impasses dessa natureza. Quando os sócios têm interesse em permanecer na empresa, entretanto, essa equação não é simples de ser resolvida. Em alguns casos, é possível fazer uma divisão de partes sociais, desde que essa divisão possibilite que as partes separadas continuem a operar adequadamente depois da cisão.

Alguns ativos empresariais desenvolvidos justamente para conferir à empresa e a seus produtos diferenciação competitiva, apesar de passíveis de serem valorados, são muitas vezes mercadologicamente indivisíveis, como marcas e patentes, por exemplo, o que dificulta muito a divisão simples dos ativos. Nesses casos é necessário criatividade.

A solução para cada caso é diferente e deve ser analisada levando-se em consideração as particularidades. A premissa fundamental é que em todos os casos devem ser tomadas precauções para que a empresa seja minimamente afetada. Uma solução já proposta para algumas empresas é o afastamento dos sócios das funções executivas, a contratação de gestores ou administradores profissionais concomitante com a criação de um conselho de administração de que os sócios participem juntamente com terceiros e a definição de regras de governança.

É uma solução tipo salomônica, muitas vezes pensada até pelos próprios sócios ao nos procurar. Funcionará bem se a razão dos conflitos for relacionada à prática de atos executivos pelos sócios. É importante, nesses casos, a constituição de um conselho de administração com regras bem claras que não engessem a operação da empresa, e é recomendável a coordenação de terceiros em reuniões de conselho. O ponto negativo é que há um aumento significativo nos custos da gestão da empresa (overhead), relacionados diretamente à remuneração do gestor e burocracia de processos que só se justificarão caso haja um plano efetivo para crescimento nos negócios ou rentabilidade no mínimo proporcional ao aumento dos gastos. Um bom gestor assumirá as responsabilidades administrativas de uma empresa por uma boa remuneração mensal, entre outros benefícios, adicionada a uma remuneração sob resultados. Um mau gestor não interessa a nenhuma empresa. Essa é uma solução que sempre deve ser considerada na impossibilidade de cisão patrimonial da empresa.

Em todos os casos, a solução menos traumática para a empresa que se depara com conflitos societários é a sua venda. Na impossibilidade da compra/venda das partes societárias entre os próprios sócios, é preferível a venda integral da empresa a terceiros. Tirando o aspecto emocional relacionado ao apego do empresário, poderá ser uma boa oportunidade de ganhos para as partes. Há, logicamente, situações em que isso não será possível, mesmo havendo consenso dos sócios. Mas, de longe, essa solução é a que preserva ao máximo o patrimônio da empresa, portanto, dos sócios. Essa solução requer um tempo de maturação suficiente para que haja a avaliação do valor da empresa, busca de interessados e negociação. Esse tempo varia muitíssimo e é de difícil mensuração. Contudo, o que se vê em muitos casos é que a decisão sobre a venda da empresa, mesmo havendo conflitos societários, é um objetivo comum das partes amenizador de ânimos. Enquanto a empresa não é vendida, é bom que sejam criadas regras de governança temporárias, que permitam a conservação de valor do negócio.

Uma solução mista entre as duas acima já foi promovida algumas vezes. Instaurou-se uma gestão profissional na empresa, criou-se um conselho de administração com participação dos sócios e também regras de governança, enquanto se trabalha na venda da empresa.

Os sócios podem relutar inicialmente quanto à venda integral da empresa, principalmente se tiverem vínculos emocionais, como ter participado de sua criação. Contudo, conflitos societários sempre destroem valor da empresa rapidamente e isso significará menos dinheiro apurado com a venda.

Quanto mais durarem, pior para a empresa e para os próprios sócios. A venda de uma empresa rentável proporciona aos sócios uma disponibilidade de caixa que poderá servir, entre outros, para a compra de outro negócio em que poderão ser corrigidos erros de gestão. Inclusive os de natureza societária.